terça-feira, dezembro 09, 2025

Entre o corpo que dói e a alma que fala



 
É estranho existir num mundo que não te reconhece.

E antes que alguém questione, vocês sabem o que significa a minha escrita?

A minha escrita é a dor que eu não consigo falar, aquela que não passa pela garganta, mas escorre pelos dedos — como bem dizia meu antigo blog, quando eu ainda tinha coragem de transformar angústia em poesia e sangue em palavras.

Parece que as pessoas desaprenderam a enxergar. Empatia virou palavra bonita de legenda, não prática. E eu, aqui, tentando entender por que preciso explicar o óbvio: eu sinto.

Foram 48 horas de trabalho costuradas uma na outra, como se o tempo fosse uma corda esticada até arrebentar.

24h de UTI. 12h de UFU. 12h de sala de parto. 12h de UFU de novo.

E no meio disso tudo, reunião, mestrado, estatística, e uma lista infinita de expectativas silenciosas — aquelas que ninguém vê, mas todas cobram.

E mesmo assim o mundo exige:

Sorria.

Seja gentil.

Não reclame.

Seja forte.

Seja máquina.


Como se eu fosse feita de aço e não de carne.

Como se o coração fosse apenas um motor, e não algo que cansa, dói, falha, implora.

Talvez esperem de mim uma criatura estranha: um ser vivo que não pensa, não sente, não quebra.

Um robô calibrado para salvar todo mundo — menos a si mesma.


Hoje a exaustão bateu à porta e não saiu mais.

Estacionou.

Silenciosa.

Com razão.

Com propósito.

É muita coisa dentro de uma coisa só.

Muitas versões de mim tentando existir ao mesmo tempo:

a médica, a esposa, a amiga, a mulher, a filha, a profissional, a pesquisadora, a pediatra, a Gastropediatra em formação, todas tentando dar conta de todos os mundos enquanto o meu próprio desmorona por dentro.


E, como toda panela de pressão ignorada, uma hora explode.

E machuca.

E faz barulho — o tipo de barulho que ninguém mais escuta.


E, apesar de tudo, enquanto escrevo estas palavras, sinto um fio de alívio atravessar o caos. Talvez porque escrever sempre foi meu jeito de respirar quando o mundo me sufoca. Talvez porque, ao jogar essa angústia no universo, alguém por aí possa me ouvir, me entender — ou simplesmente reconhecer um pedaço da própria dor na minha. E só isso, às vezes, já me sustenta por mais um instante.


É dezembro, 2025. Dia 9.

Falta pouco para o 26.

Mas cada passo até lá pesa como se fosse o último.

Horrível.

Insuportável.

E ainda assim — eu sigo.

Porque sempre segui.

Mesmo quando isso me custou partes de mim.


E eu encerro aqui, segurando minha própria respiração, com as palavras que atravessam como verdade:



“A verdadeira vida começa onde termina o cansaço.” — Rainer Maria Rilke

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