É estranho existir num mundo que não te reconhece.
E antes que alguém questione, vocês sabem o que significa a minha escrita?
A minha escrita é a dor que eu não consigo falar, aquela que não passa pela garganta, mas escorre pelos dedos — como bem dizia meu antigo blog, quando eu ainda tinha coragem de transformar angústia em poesia e sangue em palavras.
Parece que as pessoas desaprenderam a enxergar. Empatia virou palavra bonita de legenda, não prática. E eu, aqui, tentando entender por que preciso explicar o óbvio: eu sinto.
Foram 48 horas de trabalho costuradas uma na outra, como se o tempo fosse uma corda esticada até arrebentar.
24h de UTI. 12h de UFU. 12h de sala de parto. 12h de UFU de novo.
E no meio disso tudo, reunião, mestrado, estatística, e uma lista infinita de expectativas silenciosas — aquelas que ninguém vê, mas todas cobram.
E mesmo assim o mundo exige:
Sorria.
Seja gentil.
Não reclame.
Seja forte.
Seja máquina.
Como se eu fosse feita de aço e não de carne.
Como se o coração fosse apenas um motor, e não algo que cansa, dói, falha, implora.
Talvez esperem de mim uma criatura estranha: um ser vivo que não pensa, não sente, não quebra.
Um robô calibrado para salvar todo mundo — menos a si mesma.
Hoje a exaustão bateu à porta e não saiu mais.
Estacionou.
Silenciosa.
Com razão.
Com propósito.
É muita coisa dentro de uma coisa só.
Muitas versões de mim tentando existir ao mesmo tempo:
a médica, a esposa, a amiga, a mulher, a filha, a profissional, a pesquisadora, a pediatra, a Gastropediatra em formação, todas tentando dar conta de todos os mundos enquanto o meu próprio desmorona por dentro.
E, como toda panela de pressão ignorada, uma hora explode.
E machuca.
E faz barulho — o tipo de barulho que ninguém mais escuta.
E, apesar de tudo, enquanto escrevo estas palavras, sinto um fio de alívio atravessar o caos. Talvez porque escrever sempre foi meu jeito de respirar quando o mundo me sufoca. Talvez porque, ao jogar essa angústia no universo, alguém por aí possa me ouvir, me entender — ou simplesmente reconhecer um pedaço da própria dor na minha. E só isso, às vezes, já me sustenta por mais um instante.
É dezembro, 2025. Dia 9.
Falta pouco para o 26.
Mas cada passo até lá pesa como se fosse o último.
Horrível.
Insuportável.
E ainda assim — eu sigo.
Porque sempre segui.
Mesmo quando isso me custou partes de mim.
E eu encerro aqui, segurando minha própria respiração, com as palavras que atravessam como verdade:
“A verdadeira vida começa onde termina o cansaço.” — Rainer Maria Rilke

Nenhum comentário:
Postar um comentário