sábado, março 28, 2020

Uberlândia, 20 de março de 2020.




Queridos leitores,

Hoje me deu vontade de escrever, após quantos anos parada e voltada para um mundo médico, com dedicação quase exclusiva, para os estudos e o estágio. Bom, como alguns de vocês já sabem, passamos por um momento muito difícil no mundo todo: são notícias de tragédias referidas todos os segundos na televisão, rádio e redes sociais. O até meses atrás anônimo Corona vírus tornou-se o mais popular termo dos últimos dias. Esse vírus, como você sabe, está matando muitas pessoas no mundo, especialmente aquelas de grupos de risco (idosos, crianças e pessoas com comorbidades já conhecidas). 
A doença, começou como a doença do viajante, remontando moléstias antigas as quais tiraram a vida de muitas pessoas desde os princípios da humanidade. 
No entanto, confesso que ao entrar na faculdade de Medicina não imaginei que pudesse vivenciar algum dia essa situação. Por mais que saibamos que a profissão médica é de enfrentamentos com doenças e luta contra patógenos que causam muitas vezes a morte, ninguém se imagina participante de uma epidemia.
Chamou a atenção para mim centenas de caminhões do exército italiano levando centenas de corpos para serem cremados devido ao fato de não existirem mais valas disponíveis para internarem mortos vitimados pelo vírus.
É fato que perdi algumas coisas, tive sonhos adiados, mas tenho apenas motivos para agradecer a Deus, pois o meu bem mais precioso (minha família) estão comigo e são minha motivação nesses tempos difíceis.
Confesso que como humana, por vezes durona e muito questionadora, hoje chorei, estive com medo e senti raiva. Pensei “logo comigo? Pq isso tem que acontecer logo agora? Não dava pra esperar a minha formatura pra tudo ficar dessa forma, ou sei lá, que eu já estivesse finalizado a residência médica, ter uma remuneração, estar financeiramente confortável”, “isso tinha que acontecer logo agora? Não dava pra esperar uns 90 dias?”.
Logo após esse momento de egoismo e revolta me voltei a realidade e percebi o qual ingrata estava sendo com Deus e com a minha vida. Lembrei-me do que vi em um jornal: a morte de uma empregada doméstica brasileira que contraiu o vírus de sua patroa que acabara de chegar de uma viagem do exterior. Existe coisa mais triste que isso? Certamente não sei a resposta. Apenas creio que aquela senhora como esposa, mãe e avó com certeza era um arrimo da família, era alguém com quem todos contavam em todos os aspectos é que agora provavelmente será apagada da memória de muitos, sem nunca provavelmente ter realizado uma viagem dos sonhos como a patroa. 
Vejo as manchetes dos jornais, como você deve ter visto, em que ocupações, assentamentos e favelas, espaços típicos de aglomerações, clamam por sabão e álcool gel. A doença no Brasil ainda não atingiu diretamente essa população vulnerável, que não tem como estar em isolamento ou quarentena, esse cabe a nós, privilegiados. 
Você também se sente envergonhado, como eu, de nesses momentos tão difíceis lembrar apenas de você mesmo? Nesse momento exato a Itália computa 627 mortos em um dia e 4000 desde o início da infecção do país. Esses números nos traz um alerta em um país de 60,48 milhões de habitantes. O Brasil soma ao todo até hoje 904 casos confirmados e 9 mortes até agora. Uberlândia tem 1 caso confirmado é mais uma porção aguardando resultado. 
Ao longo da faculdade de Medicina lidei com muitos casos, acidentes e situações graves e chocantes. Nem se comparam ao medo e a insegurança que tenho agora. Permita-me chamar o vírus de uma espécie de nuvem invisível, contra a qual lutamos sem vê-la e muitos de nós a espalha sem senti-la. O que faremos diante disso? Como tudo se dará? São futuros incertos e com certeza estarei lutando com essa nuvem invisível. 
Um apelo a todos aqueles que amam a si, aos outros e a vida: por favor, façamos o nosso melhor em reduzir nossa mobilidade, em ficar em casa, em não brincarmos com o perigo. 
Recebi ontem um áudio que muito me entristeceu. Um relato de um homem dizendo que iria para um bar beber com o intuído de pegar o Corona Vírus pois por enquanto haveria leitos de UTI disponíveis. A ignorância muitas vezes se confunde com a falta de informação e essa última , certamente não é o caso, pois a mídia está tratando tudo de forma bem explícita. 
Desculpem-me pelo meu desabafo, não revisado gramaticalmente nem nada, escrito rapidamente
em um dia de angústia. Certamente não será um dos meus melhores textos, mas eu precisava
desabafar.
Obrigada por ler essas linhas até o final, mesmo que não concorde com tudo o que está escrito.

Janaina

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